MINAS GERAIS: BOAS PRÁTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR QUILOMBOLA

MINAS GERAIS: BOAS PRÁTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR QUILOMBOLA
Foto: Alcione Aparecida Mendes

Relato sobre as comunidades quilombola de Santa Cruz de Ouro Verde de Minas, Comunidade Quilombola de Três Barras, Buraco, Cubas e as demais localizadas pelas redondezas dessa região.

Há alguns anos, muitos quilombolas decidiram deixar de plantar, e por algumas influências, resolveram criar gados em espaços minúsculos de terra. As famílias vivem em pequenas propriedades para um número grande de pessoas, onde não há, muitas vezes, como ter grandes plantações, porque sabemos que poucas comunidades quilombolas tiveram a titularização das terras. Além disso, muitos deixam de plantar, para a criar gado, e acreditando que vão ter uma geração de renda maior, provocam desmatamento.

Com essa nova realidade, tivemos impactos bem visíveis e devastadores, como muita erosão, fazendo com que as estradas, muitas vezes, ficassem sem condições de serem utilizadas. 2015 foi o ano que mais evidenciou esse impacto, com ocorrência de muita seca, pois muitas nascentes haviam secado por causa do desmatamento.

Quando as comunidades, através do Vandeli, iniciam o processo de identificação e de certificação das comunidades quilombolas, dá-se um passo ao novo rumo, buscando assim caminhos e alternativas para a sustentabilidade sem agredir o meio ambiente. 

Infelizmente, a sociedade capitalista implantou que o bom eram as comidas enlatadas, que as verduras e frutas melhores eram aquelas com tamanhos e cores mais exuberantes. Isso acaba desmotivando muitos agricultores a plantarem e desvalorizam as pequenas produções sem agrotóxicos, quando levada às feiras para vender.

Depois das certificações das comunidades quilombolas, houve mais trabalho coletivo, palestras, mutirão, cursos, feiras, como a do canjerê, realizada pela CONAQ e parceiros, entre outras feiras e iniciativas que fizeram toda diferença ao longo de todo esse tempo. O acesso de muitos jovens nas Universidades Federais ajudou muito a mudar a maneira de agir e pensar, porque por mais mecânica que sejam essas universidades, lá conseguimos ter dimensão do tesouro que temos e de como tão mal utilizamos essa potencialidade.

Percebe-se que há uns 5 anos, mais ou menos, o olhar do povo quilombola mudou e com isso nosso meio ambiente também. Por mais que muitos ainda tenham algumas vacas, as plantações e hortas ganharam mais espaço. Costumo dizer que, no quilombo Santa Cruz, 2020 foi o ano que mais plantaram e produziram. Acredito que seja pelo efeito da pandemia, por ficarem mais em casa. 

Um exemplo disso é meu pai, que trabalha em São Paulo. Eu não me lembro quando foi que ele ficou tanto tempo em casa, e nessa pandemia ele ficou uns 6 meses. A família plantou muito, assim colhemos feijão, milho e amendoim. Fazia tempo que não via tanta fartura, mas o principal de tudo isso é ter iniciativas, organizações, projetos e entidades que ajudam no escoamento desses produtos. E hoje, as erosões das terras estão bem menores, consequentemente levando menos terras para as estradas e nossas matas aumentaram muito. 

Com os cursos, foi muito trabalhada a técnica de sistema agroflorestal (SAF). Muitos utilizam a técnicas da biodiversidade nas hortas, adubagem orgânicas, utilizações inteligentes de utilizar algumas plantas com inseticidas naturais, preservação e reflorestamento das nascentes, entre outras técnicas que vêm ajudando tanto nas produções, como na conservação do meio ambiente.

As associações e cooperativas são as maiores parceiras desses pequenos agricultores, pois através delas é possível escoar os produtos. Por isso, é preciso dar valor às associações e ajudar os quilombos que não estão em dia com as documentações, pois só conseguirão avançar com as associações em dias. Entidades e organizações que possam contribuir é de suma importância, pois nesses Quilombo há muitos produtos, agroecológicos e de alta qualidade.

Acredito que precisamos e também podemos fazer mais, nós negros e quilombolas somos muitos, devemos valorizar os nossos trabalhos, nossos produtos, nosso povo e o sofrimento do nosso povo, mesmo sendo as vezes práticas que muitos consideram pouco ou inútil faremos pouco a pouco a diferença. Um exemplo é por que não começarmos a valorizar o produto do nosso quilombo ou dos quilombos vizinhos, ao invés de comprar de outras pessoas? Essa atitude fará muita diferença.

Os casos de erosões eram uma realidade frequentemente vista em vários quilombos de MG. Há uns 7 anos, víamos que quando começava o período das chuvas, os quilombos ficavam isolados, estradas esburacadas e tudo mais. Mas de certo tempo para cá, essa realidade foi mudando para melhor, isso porque os agricultores quilombolas começaram a perceber que o que causavam isso eram suas próprias ações indevidas com a mãe terra. E, a partir desse momento, começamos a mudar as nossas ações, as erosões foram acabando quando começamos a fazer barraginhas, plantações em níveis e reflorestamento em áreas degradadas.

Outra coisa que é muito importante destacar são os intercâmbios, através deles podemos conhecer experiências que dão certo em outras comunidades e assim implantar nas nossas. Através dos intercâmbios, os agricultores ficam mais animados em conhecer e trocar experiências. Lembro que quando os quilombolas da minha comunidade de Três Barras e Buraco fizeram um intercâmbio no Quilombo Santa Cruz, em Ouro Verde de Minas, eles voltaram muito animados e muito felizes por terem tido a oportunidade de conhecer o território e as plantações dos irmãos quilombolas, mesmo sendo muito distante.

Boa parte dos quilombos sabem e desempenham muitas boas práticas da agricultura familiar quilombola, que apoiam na mitigação das mudanças climáticas. Isso porque como foi ressaltado acima, muitos jovens quilombolas, que antes achavam impossível ingressar em uma universidade federal pública, tiveram essa oportunidade. Isso foi muito bom porque somos filhos de agricultores e, com essa formação, podemos ajudar ainda mais a nossa família e nossa comunidade. Mesmo diante de tudo isso, não podemos esquecer que infelizmente essa não é a realidade de todos os quilombos. Existem muitas comunidades quilombolas que ainda precisam muito de ajuda em assistência técnica rural.

E por mais que as comunidades utilizem essa prática da agricultura, que não prejudica a nossa mãe terra, ainda vejo a necessidade de iniciativas de entidades que atuam com a assistência técnica para com essas comunidades. Infelizmente, algumas entidades incentivam práticas que não ajudam em nada a mãe natureza. Então, vejo que ainda são necessárias formações com agricultores sobre agroecologia e outras boas práticas que não prejudicam nosso meio ambiente.

 

Complementações 

Sobre técnicas na produção agrícola, os nossos anciões quilombolas conhecem algumas práticas muito importantes. Antigamente, quando ainda não existia trator para aração de terra, o nosso povo usava a aração de arado puxado com boi, e a capina é através de duas capinas em que o mato seco fica por cima servindo de esterco e cobertura para a terra.

O povo quilombola tem o costume de planejar e preparar o local de plantio, fazendo assim a preparação do solo e também trabalhando no consórcio de plantas, ex: milho e feijão, intercalados. Isso faz com que se aproveite melhor a terra. Nosso povo também tem a prática de dar o descanso para a terra, isto é, plantar durante uns 3 anos e depois passar o plantio para outro lugar, dando à terra anterior um descanso para que ela se regenere e recomponha-se de nutrientes e vegetação nativa. 

Nosso povo quilombola não utiliza agrotóxicos para controle de pragas e nem de vegetação, os nutrientes que as plantas precisam são adquiridos através das cinzas da queima controlada, das folhagens secas por cima do solo, das madeiras apodrecidas etc. Em toda colheita, nós separamos uma boa parte do que colhemos para o próximo plantio, como as ramas da mandioca, sementes do milho, feijão, abóbora, quiabo, etc. Assim, fazemos a seleção das melhores sementes para deixar separado para o próximo plantio, isso faz com que os grãos colhidos na próxima colheita sejam melhores.

Os nossos produtos vindos da agricultura familiar quilombola são diferenciados dos demais produtos, pois os impactos negativos ligados ao meio ambiente são os mínimos possíveis. O nosso povo quilombola tem uma ligação muito especial com a terra, resultado disso são essas técnicas de produção muito importantes, que devemos valorizar cada vez mais, pois são práticas que não prejudicam o meio ambiente. Além disso, a forma de produção é sustentável, os nossos produtos banana, batata, abóbora e toda produção do nosso povo quilombola são sadios sem agrotóxicos. São produtos saudáveis prontos para ir para a mesa do consumidor.

As produções das comunidades quilombolas são de uma qualidade incrível e muito saudáveis. Além das produções agrícolas e das hortaliça, esses agricultores quilombolas também fazem doces, biscoitos, pimenta em conserva, entre outras variedades de produtos artesanais, que advém de produtos da agricultura familiar quilombola, em que o manuseio e todo o processo é feito artesanal. 

É preciso de mais projetos como esse, que a ECAM e a CONAQ vem trabalhando para dar visibilidade para esses agricultores e essas produções. É preciso de fato conhecer o povo quilombola e seu modo de vida incrível e saudável, pois muitas vezes essas produções se perdem, por não ter pra quem vender, ou por serem vendidas a baixo custo pela pouca valorização do mercado.

Todos que estão envolvidos nesse projeto precisam compreender a importância dele e de fato ter um sentimento. Desejo realmente lutar para que, principalmente, esses quilombos mais esquecidos tenham dignidade e valorização pelo seu meio de ganhar a vida, dando-lhes condições de viver com dignidade sem deixar seu lugar, cultura e família.

Ter esse panorama é de suma importância. Entendo também que catalogar os produtos é muito importante para os quilombos e para que cidades vizinhas saibam onde encontrar produtos saudáveis e de qualidade.

O Povo Quilombola tem várias técnicas de preparo e produção dessas terras e dos alimentos produzidos por eles. Vimos alguns exemplos no início do texto, em que eles procuram respeitar e proteger o máximo as terras, buscando ver o clima, a Lua, a condição da Terra, entre outras técnicas. Um exemplo disso é que para afastar animais que aparecem nas lavouras, ainda hoje utilizam os espantalhos feitos de roupas velhas e plantas com cheiros fortes para afastar pragas.

Enfim, a sabedoria desses agricultores quilombolas é de extrema importância, vem dos seus ancestrais, sendo que até hoje mantêm a cultura e a qualidade dos produtos do meio ambiente. 

 

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Maria Nilza e Alcione Mendes
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Maria Nilza é licenciada em Educação do Campo pela UFV, liderança quilombola, ama caminhar, dançar e fazer novas amizades. Ela também é uma das idealizadoras da grife Kilombu Modas. Alcione Mendes é agricultora, quilombola, estudante técnica em Agropecuária e Cooperativismo. Ela é agente territorial quilombola é trabalha a mais de 6 anos com comunidades tradicionais quilombolas. Gosta de teatro, arte e compartilhar o tempo conhecendo novas culturas.

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