BOAS PRÁTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR QUILOMBOLA E A RELAÇÃO COM A MITIGAÇÃO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

BOAS PRÁTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR  QUILOMBOLA  E A RELAÇÃO COM A MITIGAÇÃO DAS  MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Foto:  Ecam/CONAQ

Emergência climáticas pela experiência quilombola 

Nos últimos anos, não passou uma semana sem que a comunidade científica trouxesse novos fatos e projeções sobre o agravamento e a aceleração das crises ambiental global. Com   o desmatamento, o declínio da biodiversidade, a poluição do meio aquático e a intoxicação dos organismos pelo agronegócio, cria-se um mundo no qual a humanidade e muitas outras espécies estarão condenadas à extinção ou ao sofrimento.

Os agricultores quilombolas interpretam essas mudanças do clima como um fenômeno que vem impactando os territórios e os modos de vida, vivenciados ao longo de décadas. A percepção dos impactos decorrentes do aquecimento global tem sido relatada com frequência pelas comunidades, sendo  um elemento importante a ser tratado neste diagnóstico do projeto CONAQ/ ECAM. A partir desse trabalho, temos reflexões por meio da vivência e do conhecimento dos griôs, que relata essa transformação e como eles estão enfrentamento e mesmo se adaptando à realidade atual, especialmente no que afeta seu modelo produtivo agrícola, extrativista e pesqueiro, causando um grande impacto a sua soberania alimentar.

Os territórios quilombolas constituíram, ao longo dos anos, seu modelo de desenvolvimento de uma agricultura viável e sustentável para a preservação do meio ambiente, contribuindo com a diminuição das emissões de gases do efeito estufa Co². 

Nos últimos anos, os territórios quilombolas estão virando área de especulação para o mercado de carbono, por várias empresas internacionais que, ao longo de anos, desmataram e poluíram a atmosfera, com suas ações desenfreadas impostas pelo poder econômico, causando grande impacto e gerando um aumento devastado na camada de ozônio.

Com isso, várias perguntas surgem nas rodas de conversas quilombolas sobre as mudanças climáticas: será por que os períodos de secas estão prolongados? Nas regiões norte e nordeste, quando chove, sempre são em épocas completamente diferentes das que eram! Mudanças que estão ocorrendo em todas as regiões, sul, sudeste e centro oeste. Mas por que essas comunidades estão sendo tão procuradas para conversar sobre preservação ambiental? 

“Levantamentos iniciais do Ministério do Meio Ambiente, que ocorreu em 2017 para a elaboração da cartilha (Gestão Territorial E Ambiental em Territórios Quilombolas), indicam que nos 279 territórios, que têm limites definidos por meio de procedimentos oficiais, há predominância de 87% de suas áreas composta por remanescentes de vegetação nativa. Além disso, há 162 territórios quilombolas sobre 110 áreas consideradas prioritárias para a conservação, sendo que 50 destas são classificadas como de importância extremamente alta para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios”. Respondido!

Estas informações reforçam a necessidade da CONAQ, junto às cooperativas, associações quilombolas e parceiros, de criar uma alternativa para a elaboração de uma política pública que reconheça a contribuição das comunidades quilombolas para a conservação da biodiversidade e os apoie na gestão de seus territórios, a partir dos seus conhecimentos, à proteção da biodiversidade e dos modos de vida. 

Nesse sentido, a busca da sustentabilidade ambiental deve ser trabalhada de forma conjunta com a social e econômica de uma agricultura familiar diversificada e com especificidade de biomas, a CONAQ neste projeto precisa mapear essas experiências.

É sabido que a maioria das comunidades quilombolas vivem da agricultura familiar, do agroextrativismo e da pesca. No Brasil, a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros (IBGE, 2006). Por meio de diferentes formas de manejo, saberes e práticas tradicionais, mesmo com essa mudança no clima, as comunidades quilombolas historicamente garantiram o uso, a manutenção e a adaptação de uma diversidade de espécies, isto pode ser visto na riqueza do extrativismo, da produção agrícola, das espécies medicinais e florestais na diversidade dos bancos de sementes existentes nos quilombos. Estes sistemas produtivos potencializam formas da economia solidária e do etnodesenvolvimento. 

Por tanto, a experiência sobre o modo de produção dos quilombolas tem várias dimensões, que faz, pensar e agir a partir do seu tempo, a agricultura quilombola está se adaptando a chamada emergência climática ou mudanças climáticas.

Foi preciso criar alternativas para que a agricultura familiar quilombola, através de experiências nos estados, compreendesse que é preciso se adaptar e recuperar os modelos tradicionais, com a junção da tecnologia e utilizando a ciência dos Griôs, para entender que estamos em época emergente e que o planeta pede socorro! Dessa forma,  deixando de lado os pacotes oferecidos pelo mercado do “Agrotóxico”, é possível desenvolver uma agricultura sustentável, para a recuperação das nascentes, para a preservação da água, fazendo corredores ecológicos, e para produzir alimento agroecológico, preservar e recuperar a fauna e flora, dentro dos princípios de agricultura climaticamente inteligente.

 

Experiência dos territórios quilombolas do ES

Saindo da contextualização nacional, onde as mudanças climáticas atingem todos os territórios quilombolas nos 26 estados da Federação e biomas. Compartilho algumas ações e resultados de experiência, com essa temática, no bioma em que vivo, no Território Sape do Norte. 

Informações sobre as boas práticas da agricultura familiar quilombola e as ações de interlocução na mitigação das mudanças climáticas são a resistência da agricultura familiar para contrapor os grandes monocultivos de eucalipto que existem em todas as 32 comunidades quilombolas. Como citei, o bioma mata atlântica é um dos mais prejudicados, onde sua área de cobertura do solo é de apenas 12,4%, mas que, originalmente, cobria uma área superior a 1,3 milhão km², distribuída ao longo de 17 estados brasileiros, que iam desde o Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul.

Entretanto, têm várias experiências que têm dado super. certo nas comunidades quilombolas do Estado do Espírito Santo, através de projeto que gera renda a partir do reflorestamento das áreas degradadas. Naturalmente, algumas dessas ações de geração de renda, são baseados no mercado verde, onde agricultor recebe um valor para continuar preservando. Essas ações se encontram nas regiões sul e serrana do ES, mas não contemplam as comunidades quilombolas, sendo que o anúncio das metas e das áreas prioritárias, bem como, demais informações necessárias para participação, acontece por meio de edital de convocação Seama/Reflorestar, no segundo semestre de cada ano.  São necessários os seguintes documentos: CPF e RG; Comprovante de residência; Certificado de Cadastro do Imóvel Rural – CCIR ou outro documento que comprove a posse da propriedade a ser atendida; Certidão Negativa de débitos federal, estadual e municipal. O Projeto Reflorestar é uma iniciativa do Governo do Estado do Espírito Santo e tem como objetivo promover a restauração do ciclo hidrológico por meio da conservação e recuperação da cobertura florestal, com geração de oportunidades e renda para o produtor rural, estimulando a adoção de práticas de uso sustentável dos solos.

Já na região norte, onde se encontra a maioria das comunidades quilombolas, a matas nativa deram lugar às plantações de cana de açúcar, eucalipto e pastagem, mas que ao mesmo tempo existem experiências de agricultura familiar que contrapõem ao modelo do agronegócio. Essas adaptações estão sendo geridas pela resistência de uma agricultura familiar quilombola para a diminuição dos impactos, ambientais, sociais e econômicos na região.

As matas nativas deram lugar às plantações de cana de açúcar, eucalipto e pastagem, mas que ao mesmo tempo existem experiências de agricultura familiar, que continua na resistência para a diminuição dos impactos econômicos.

Mas o impacto das mudanças do clima ainda é muito visível. A cada ano, é percebido pelos agricultores a escassez da chuva, as temperaturas, que só aumentam, os grande períodos de secas e até mesmo as catástrofes  causada pelas chuvas em época adversas – bem diferente de  décadas atrás quando o agricultor preparava a terra para plantio em tal época por ser o mês das águas e também utilizava a marcação da lua como período fértil para germinação. Essas e outras previsões ancestrais estão se perdendo na história, consequência das mudanças climáticas 

Por exemplo, há comunidades que tiveram que alterar suas atividades e fontes principais de renda por conta da seca de uma lagoa. Abandonaram a pesca e intensificaram a criação bovina, o que degradou muitas áreas de vegetação e cobertura do solo.  Hoje, na casa de cada agricultor é raro não ter um medidor de chuva, alternativa para saber a quantidade de milímetro caído na terra, gerando expectativa de uma boa colheita.

Aqui, com o passar dos anos, os agricultores têm se adequado e buscado alternativas para enfrentar as mudanças climáticas, para garantir que seu produto chegue nos espaços de comercialização ou consumidor direto. Como diferencial dos produtos convencionais, perpassa muito do manejo agroecológico, utilizando menos insumos agrícolas e optando por algumas técnicas praticadas pelo (SAF) Sistema Agroflorestal.

Os territórios quilombolas do ES está aplicando essas iniciativas para reduzir a temperaturas do clima e garantir produtividade, ainda no primeiro ano, provenientes das espécies anuais (feijão, arroz, milho), hortaliças, adubos verdes (feijão-de-porco, guandu, protelaria,) e espécies semiperenes (mandioca, abacaxi, banana, mamão), podendo ser comercializadas nos primeiros 3 anos, em média. A produtividade das culturas anuais e semiperenes diminui à medida que ocorre o aumento do sombreamento e competição com as espécies lenhosas, que estão servidos para estaca de pimenta do reino, cercas, etc.

Estamos com essas iniciativas em 20 associações quilombolas dos Territórios Sape do Norte, com projeto e parceria de empresas privadas, ongs e algumas iniciativas próprias dos agricultores.

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Kátia Penha
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Estudante de licenciatura em Educação do Campo, filha de agricultores quilombola, Coordenadora Nacional d0  Diagnóstico Macro Situacional da Agricultura Familiar Quilombola com o apoio da Fundação Porticus - em parceria com a Ecam Projetos Sociais e CONAQ. Kátia é Diretora de projeto da Associação Nacional Cooperação Técnica Negra Anastácia.

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