QUILOMBO MESQUITA: BOAS PRÁTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR
Foto: Ecam/CONAQ
Mesquita é uma comunidade quilombola que se encontra a cerca de 50 km de Brasília. Localizada em uma área rural no entorno do Distrito Federal, os quilombolas lutam para manter suas raízes na produção rural. Muitos são os desafios dessas produções, pois o meio urbano está a cada dia colaborando para a mudança na forma do plantio do pequeno agricultor.
As origens do Quilombo Mesquita remontam ao ciclo do ouro, no século 18. A corrida ao metal levou à criação de várias vilas no interior de Goiás – entre as quais Santa Luzia, fundada em 1746, hoje conhecida por Luziania. Negros escravizados compunham a maioria da população na região. Conta-se no quilombo que, com o declínio da mineração, o capitão português Paulo Mesquita resolveu abandonar Santa Luzia e deixou uma fazenda para três escravas alforriadas. Com o tempo, outros se juntaram à comunidade chefiada pelas mulheres – muitos deles escravizados em busca de refúgio e que, para chegar lá, percorriam estradas de gado que ligavam Goiás a Salvador e ao Rio de Janeiro.
Após a Constituição de 1988 determinar a demarcação de quilombos, muitas comunidades se mobilizaram para obter os títulos das terras. No Quilombo Mesquita, o primeiro passo ocorreu em 2006, quando a Fundação Cultural Palmares (subordinada ao Ministério da Cultura) o reconheceu como uma comunidade remanescente de quilombo. Cinco anos depois, o Incra publicou o Relatório Técnico de Identificação e Demarcação da comunidade, definindo sua extensão em 4,3 mil hectares – o equivalente a 4 mil campos de futebol.
Na questão ambiental, o quilombo Mesquita se destaca em alguns pontos. A preservação ambiental sempre foi um papel desempenhado pelos moradores, pois o modo de viver sempre foi em comunhão com a natureza. Em cada quintal do quilombo, sempre havia presença da natureza e de pequenas hortaliças que eram regadas com águas das minas que nasciam do chão. Um outro ponto importante a ressaltar nas questões que ajudam na preservação climática, são os canais de água que distribuem água pelo quilombo. Nominados pelos moradores de “Regos da água”, esses canais percorrem o território de forma natural, por gravidade, distribuindo água para os moradores. Essa água é captada nas nascentes localizadas em alguns pontos do quilombo.
Os canais foram construídos pelos primeiros moradores, há mais de 200 anos, respeitando a natureza e compartilhando esse recurso hídrico com as demais pessoas que compõem o território, assim também com os animais que também usufruem dessa água. Com essa tecnologia, o clima é beneficiado, pois como a água percorre de forma natural, a umidade acaba chegando em todos locais. Outro ponto que os regos da água favorecem na agricultura familiar, é que eles servem de meios de irrigação para as hortaliças, além de abastecer as cozinhas de alguns moradores.
Como citado, o quilombo possui mais de 270 anos de existência cultural, e com as aproximações da urbanização aos arredores, várias questões dos fazeres quilombolas dentro do território sofreram mudanças. Há aproximadamente 40 anos, o modo de viver era totalmente diferente, os trabalhos eram basicamente rurais, mas hoje essa realidade está totalmente mudada, por vários fatores. Antigamente, os povos mais velhos tinham outros modos de cultivar seus produtos rurais. Segundo relatos, o manejo da terra para o plantio era feito somente com enxadas para afofar a terra, sem a necessidade de adubos orgânicos, pois a fertilidade do solo era muito rica em nutrientes.
Outro ponto lembrado era que as chuvas ocorriam em um longo período, ajudando a conservar a umidade do solo. A qualidade das sementes também era um fator importante, pois a qualidade delas eram melhores que as atuais, pois os produtos davam em maior quantidade e qualidade. Para combater as pragas, os quilombolas usavam chá de folhas, como a de fumo e de mamona, vinagre com sabão de coco e urina de vaca também eram usados; elas eram jogadas nas plantações e espantavam os insetos. E além desses produtos serem usados para sustento da família, eles seriam de comidas para os animais silvestres, pois como havia a grande quantidade de matas ciliares aos arredores das plantações, os bichos também usufruíram.
A urbanização está influenciando de forma muito negativa, pois há a presença de muitos condomínios e loteamentos que não respeitam a questão ambiental dentro da comunidade. O desmatamento está crescente e a poluição das águas está cada dia pior, o que acaba prejudicando em parte o manejo e a produção agrícola e condicionando a mudança climática.
Outro ponto a ser ressaltado é a presença da monocultura dentro do quilombo. Grandes plantações de soja estão sendo realizadas de forma irregular, sendo autorizados por órgão públicos locais que deveriam defender a preservação ambiental. Todas essas plantações são lideradas por grandes fazendeiros latifundiários que estão dentro de Mesquita. A grande quantidade de agrotóxicos usados nas plantações prejudicam diretamente na vida das pessoas locais.
Medidas de reflorestamento com plantas frutíferas do Cerrado e outras para recuperação ambiental são realizadas dentro do quilombo. Há um trabalho feito para que as pessoas possam plantar e colher esses frutos para serem vendidos nas feiras e em programas do governo — essas ações visam gerar rendas e promover a conservação ambiental. O trabalho é de formiga, mas como o atual governo compõe o município, esse trabalho se torna mais complicado, pois ele não nos apoia e prega a questão do combate a preservação ambiental, infelizmente. Mas mesmo com toda essa mudança climática e de espaço, muitas pessoas dentro do quilombo continuam produzindo suas hortaliças e plantios de roça com adaptação aos novos meios de produção.
Com o passar do tempo, foi necessário realizar mudanças de manejo, mas a questão essencial é que o produto orgânico foi mantido. Hoje, há a necessidade do uso de adubos orgânicos na terra, que são feitos de estrume de galinha, gado e porco. Para combater as pragas, os agricultores ainda usam os chás de folhas, e outros produtos orgânicos que são comprados. Todas essas formas ajudam os quilombolas a serem destaques nas feiras orgânicas das regiões, tendo preferência dos compradores que conhecem a procedência natural e segura dos produtos.
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Sandra Braga
Todos os postsFormada em turismo, Coordenadora Executiva da CONAQ na região centro oeste e Coordenadora Estadual da CONAQ - GO. Sandra é agricultora rural, faz parte da Coalização Negra por Direitos, do Coletivo de Mulheres Negras da CONAQ, é pertencente e liderança do Quilombo Mesquita no estado de Goiás. Militante da causa negra feminina quilombola e da luta por direitos.