Vozes da Amazônia
O Brasil é um país construído sobre a fragmentação de Povos, um território cuja soberania nacional repousa em pedaços de África trazidos para o chão indígena. A complexidade e a profundidade que tal afirmação enuncia, pode ser encontrada nos estudos de Darcy Ribeiro, especificamente em O Processo Civilizatório e Formação do Território e do Povo Brasileiro. É importante lembrarmos disso porque a História – nossa História – é nosso lugar de fala, é de onde falamos, então, é desse lugar repleto de fragmentações que falamos de Amazônia.
A riqueza desse bioma ultrapassa a concepção comum que, acostumada a distanciar sociedade e natureza, reconhece apenas a floresta, os ecossistemas e as paisagens naturais, sem considerar que organizações sociais, políticas e culturais também fazem parte da dinâmica da Amazônia. O modo de vida dos povos indígenas e quilombolas são fundamentais e estão intrinsecamente ligadas à transformação, conservação e enriquecimento de tudo que entendemos como natureza na Amazônia.
Dentre tantos exemplos que poderíamos citar está o estudo de Juliana Lins que comprova que as técnicas indígenas de manejo do solo, contribuíram para a formação da chamada “terra preta”, um tipo de solo muito fértil. Estudos de caso em diferentes comunidades quilombolas demonstram como o espaçamento entre as casas é importante para a permeabilidade do solo e como o uso tradicional das plantas é fator conservacionista das fitofisionomias. Além disso, temos o extrativismo de castanha e açaí realizado por estes povos de uma maneira que garante a floresta em pé realizando seus serviços ambientais, seus frutos nutrindo pessoas e gerando renda. Enfim, os exemplos são muitos e tendo uma abertura honesta para analisar, podemos todos concordar com isso.
Mas o fato é que essa relação está em constante ameaça pela invisibilidade dos povos da floresta, da agricultura familiar, daqueles que vivem nas metrópoles amazônicas – sim, o crescimento das cidades também compõe a temática – ou seja, das pessoas que são Amazônia, de organizações sociais e políticas que, ainda que fragmentadas, possuem seus próprios projetos de vida.
Todos falamos sobre Amazônia, a maioria das pessoas é capaz de imaginar aquela cena toda verdinha com os meandros dos rios, o mundo inteiro olha para as riquezas desse bioma cuja maior extensão está em território brasileiro – e nossa política ambiental seja tributária disso – No entanto, pouco se escuta as vozes que vêm de lá e que antes vinham de África e de lugares que nem podemos imaginar já que nosso processo ‘civilizatório’ nos privou de boa parte da História indígena e negra.
Portanto, ao invés de pensarmos o que faremos pela Amazônia ou quem salvará a Amazônia, podemos ouvir, aprender e trabalhar junto com pessoas que já fazem isso há muito, mas muito tempo. Porque sem eles, nada feito.
Aviso: O conteúdo do texto é de responsabilidade de seu autor e não exprime, necessariamente, o ponto de vista da Ecam.
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Mury Arantes
Todos os postsMuryel Arantes é geógrafa, mestra em gestão ambiental e territorial e especialista em geoprocessamento. Apaixonada pela ciência geográfica e suas possibilidades de integração entre sociedade e natureza, sempre buscou um campo de trabalho que desse fluxo a esse fascínio. Se juntou à Equipe de Conservação da Amazônia (Ecam), em 2013, ainda como voluntária, depois como analista socioambiental e hoje trabalha na coordenação de projetos. Acredita que a felicidade está numa trilha no Cerrado, seguida de um banho de cachoeira e uma galinhada com pequi.