Por Raphael Rabelo
Mapas mostram a vulnerabilidade nas comunidades tradicionais da Amazônia diante da pandemia de COVID-19
Além dos imensos desafios já conhecidos sobre reconhecimento e proteção territorial, Indígenas e Quilombolas vêm enfrentando novos desafios na pandemia.
Povos e comunidades tradicionais estão entre os mais vulneráveis diante do novo Coronavírus. Nas aldeias e nos quilombos, a situação se agrava ainda por vários fatores, entre eles o não escoamento da produção que afeta diretamente a segurança alimentar nos territórios.
A maior parte da renda das comunidades vem da agricultura, realizada pela própria comunidade, muitas vezes sem apoio de políticas efetivas de Estado voltadas ao fomento, melhoria e organização da produção da agricultura familiar. Assim, esses desafios já existentes são agravados com a pandemia e tornam ainda mais difícil a vida de milhares de famílias de territórios tradicionais, pelo fato de agora estarem impossibilitadas de comercializar seus produtos nos municípios mais próximos.
Muitas dessas comunidades também não conseguem acessar o auxílio emergencial de iniciativa do Estado, devido a diferentes fatores, como: o não acesso à tecnologia e ferramenta necessária (celular, internet e sinal de telefonia), problemas em efetuar o cadastro, falta de assistência para sanar dúvidas, entre muitas outras.
Especificamente nas comunidades tradicionais da Região da Calha Norte há um complexo aglomerado de áreas protegidas, tais como terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas (que em alguns casos estão sobrepostas).
Localização de parte das áreas protegidas (Terras indígenas e Territórios Quilombolas) da Calha Norte.
Esses territórios são de difícil acesso e o deslocamento é feito, principalmente, por via fluvial, o que encarece o transporte dos produtos para comércio. Com as restrições de deslocamento entre municípios, devido às medidas de contenção ao Coronavírus, esse transporte se torna ainda mais difícil, muito embora essa medida seja necessária no atual momento.
A falta de políticas públicas efetivas afeta o reconhecimento, infraestrutura, saúde, educação, segurança e outros direitos das comunidades Quilombolas e Indígenas.
Essa realidade em um cenário de pandemia de COVID-19 representa um risco ainda mais grave para os Indígenas e Quilombolas. É preciso compreender que essa ameaça não atinge as comunidades da mesma maneira que em outras populações do país, porque esta doença tem um tipo de progressão baseada em indicadores socioeconômicos e de infraestrutura.
Os impactos da pandemia são numerosos e estão afetando as comunidades. Hoje, já é possível dizer que deixarão sua marca no futuro. Por isso, é essencial criar estratégias com as comunidades para minimizar esses impactos, fortalecendo a geração de renda, o reconhecimento e a visibilidade dessas comunidades.
Diante deste contexto, os mapas aqui apresentados mostram diferentes níveis de vulnerabilidade nesse cenário que é de crise sanitária, econômica e social. A base desta análise foi o conhecimento de diversos fatores que influenciam, e por vezes até determinam, o nível de impacto da chegada do vírus. Inicialmente, foram analisados diversos dados oriundos das comunidades quilombolas e indígenas que vivem na margem dos Rios Mapuera, Cachorro e Nhamundá, Trombetas, Cuminá/Erepecuru e Ariramba.
O principal objetivo desta análise é dar visibilidade às diferentes realidades das populações tradicionais da Amazônia diante desta pandemia, uma vez que estas informações podem subsidiar a priorização de medidas de contingência e apoio, seja de organizações não governamentais ou governamentais.
Ao analisar os dados, foi levada em consideração também a forma com que eles se relacionam entre si, para entender, por exemplo, como a presença de uma pista de pouso, aliada a ausência de um profissional de saúde e uma alta porcentagem de população idosa, pode tornar uma aldeia mais vulnerável do que outra. Assim, é possível mostrar quais são as ações prioritárias e onde elas devem ser implementadas de forma mais emergencial. A situação é complexa e por isso exige analisar mais do que números, é necessário procurar sua origem, localização, extensão e, principalmente, como eles podem se correlacionar com outros dados de campo.
Esse mapeamento foi realizado com base no método de Análise Multicritério. O resultado é mostrado em três escalas diferentes, considerando os dados mais importantes para aldeias, comunidades, territórios e municípios.
Assim, os dados poderão ser úteis para fornecer o máximo de informações possível aos tomadores de decisões em diferentes escalas: governamental, comunitária, empresarial, sociedade civil, etc.
Mas antes de explorar os resultados dos mapas, é importante conhecer quem são os povos Indígenas e Quilombolas da região!
POVOS INDÍGENAS
Os mapas aqui apresentados envolvem diferentes povos Indígenas que vivem nos rios Mapuera, Cachorro e Nhamundá. Esses povos utilizam os recursos naturais do território para a sua sobrevivência por meio da caça, pesca e coleta. A demarcação da terra Indígena tem importância crucial para a sobrevivência, qualidade de vida e reprodução cultural desses povos que ali vivem. São três terras indígenas apresentadas nos mapas:
Nestas terras Indígenas vivem as etnias:
Clique AQUI para baixar a lista de indicadores Quilombolas e Indigenas
COMUNIDADES QUILOMBOLAS
As comunidades Quilombolas mapeadas são representadas pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (ARQMO). Fundada em julho de 1989 para representar e organizar a luta das comunidades Quilombolas do município, a ARQMO é uma organização sem fins lucrativos que representa 37 comunidades Quilombolas do município de Oriximiná, no Pará. No total são oito associações Quilombolas e seus respectivos territórios filiados com aproximadamente 4 mil famílias Quilombolas.
Os mapas apresentados envolvem 07 territórios quilombolas e suas comunidades que vivem nos rios Rio Trombetas, Cuminá/Erepecuru e Ariramba, são eles:
Também faz parte da região o território Alto Trombetas II, localizado no mapa abaixo, mas os dados deste território não foram considerados neste mapeamento de risco.
Clique AQUI para baixar a lista de indicadores Quilombolas e Indigenas
COMO A ANÁLISE FOI FEITA
Para mapear a vulnerabilidade das comunidades diante do avanço da pandemia consideramos diversos fatores que podem aumentar ou diminuir o risco na escala dos territórios, comunidades e municípios. Ao todo foram analisados 17 indicadores oriundos das organizações comunitárias, órgãos públicos e dados primários. Deste total de dados, 14 são comuns a Terras Indígenas e Territórios Quilombolas. Isso significa que no caso das comunidades quilombolas foi possível analisar 3 indicadores a mais devido a coleta de dados feita pelas próprias comunidades durante as atividades do Compartilhando Mundos.
Os dados obtidos pelas organizações comunitárias (indígenas e quilombolas) vieram das seguintes associações: APIM, CGPH, AIKATUK e APOIRCTRO; de associações Quilombolas locais: ARQMO e suas filiadas. Já os dados secundários das seguintes instituições governamentais: Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Agência Nacional de Águas, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Instituto de Terras do Pará (ITERPA).
Após a coleta e organização dos dados, foi realizado o trabalho de correlação de dados que nada mais é do que compreender como juntos os fatores podem influenciar mais ou menos o nível de vulnerabilidade das comunidades. Nesta etapa, dados demográficos como tamanho e idade da população foram correlacionados aos de logística. Isso porque aldeias com maior número de pessoas e maior porcentagem de idosos já se inserem numa situação de alerta, e se além disso a situação logística significar maior fluxo de pessoas esse alerta se torna maior, o risco aumenta. Uma aldeia com estas características pode ser prioritária se comparada a uma comunidade menor, mais jovem e sem grandes fluxos de pessoas, por exemplo. No entanto, é importante ressaltar que o mapeamento de risco não é uma determinação, é uma ferramenta para criação de estratégias e estas dependem de decisões que podem ser tomadas com base neste tipo de análise multicritério.
Um outro exemplo é a importância da segurança alimentar correlacionada à logística. As comunidades que possuem baixa variedade de alimentos produzidos e que ainda estão impossibilitadas de escoar essa produção, não tem condições de complementar sua alimentação pois a venda destes produtos é fundamental para a compra de itens básicos como proteína e outros alimentos não produzidos na própria comunidade. Isso impacta diretamente na saúde das pessoas. Uma situação dessa aumenta o nível de risco em tal comunidade e pode indicar urgência de um apoio logístico, mesmo a crise sendo de saúde.
Esses e outros fatores foram considerados, sempre de forma conjunta, e podem ser explorados nos mapas disponibilizados. Importante ressaltar que, de modo geral, as populações tradicionais de todo país fazem parte do grupo vulnerável diante da pandemia, devido a escassa infraestrutura e baixa implementação de políticas públicas adequadas à realidade destas comunidades.
Mas, diante do cenário caótico, priorizar recursos para determinadas ações mais emergenciais pode ser decisivo para a vida das populações tradicionais. Dessa forma, esta análise foi construída na tentativa de subsidiar tomadores de decisão (de diferentes esferas) na elaboração de estratégias de contingência mais efetivas e que contemplem toda a complexidade dos territórios tradicionais.
Vale ressaltar que a atualização constante destes dados, e suas correlações, é fundamental para avaliar a mudança de cenário diante da atuação, ou falta de atuação, das instituições. A constante atualização também é importante para acompanhar o surgimento de novas situações de riscos.
AÇÕES PRIORITÁRIAS PARA DIMINUIÇÃO DOS IMPACTOS DA COVID-19 NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS E INDÍGENAS
Diante do cenário de vulnerabilidade destas comunidades, algumas ações prioritárias são necessárias e algumas delas já estão sendo realizadas por diferentes parceiros do terceiro setor, setor privado e público, como a doação de cestas básicas e kit de higiene para as comunidades, confecção e doação de máscaras de tecidos reutilizáveis, construção de material informativo sobre a prevenção do Coronavírus, apoio no escoamento da produção das aldeias e quilombos e apoio no interlocução com as instituições públicas locais.
Mas é necessário entender que estas ações não devem ser apenas pontuais, mas sim contínuas durante todo o período de isolamento social, já outras devem ir além, sendo fortalecidas para o período pós pandemia – como é o caso do apoio no escoamento da produção e segurança alimentar, fomentando o fortalecimento da economia nos quilombos e Terras Indígenas.
É importante que se tenha atuação integrada dos diferentes setores na região, como as associações comunitárias, setor público, setor privado e terceiro setor. A atuação conjunta é o caminho para garantir a segurança e sobrevivência dessas comunidades neste momento de pandemia e também para diminuir os impactos socioeconômicos que irão se instalar pós pandemia.
Por fim, se torna fundamental escalar as análises, como as que aqui foram apresentadas, para outros Estados e Regiões, para obter informações que vão além de número de casos confirmados, óbitos, recuperados, etc. E assim, de fato, adquirir instrumentos que permitam tomadas de decisões mais certeiras e que diminuam o impacto da COVID-19 para as comunidades Quilombolas e Indígenas do Brasil.